lunes, 10 de noviembre de 2008

reunião dia 12 de novembro lendo a Ochy Curiel

Olá gente! Esta semana estamos propondo a (re)leitura de um texto de Ochy Curiel “Subvertendo o patriarcado a partir de uma aposta lésbica-feminista”. Achamos que ele cai como uma luva nas nossas mãos , numa época, numa hora, que tanto se fala em identidades passivas : a lésbica, a negra, a mulher.
A Ochy apresentou este texto, 3 anos atrás, quando foi o Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho em São Paulo.

Pensamos que ser lésbica vai muito alem de uma mulher que ama a outra mulher, para nós – mulheres rebeldes - é uma forma de encarar a vida, de revolucionar a sociedade, de denunciar normas estabelecidas. Uma ferramenta de luta contra o sistema que tanto desejamos mudar.
A gente não pode se definir em relação a alguém, e se em este momento não estou amando, viro heterossexual? As mulheres heterossexuais quando não estão com um homem, podem ser lésbicas?
Que tem a ver ser lésbica com o feminismo?

Te convidamos a que leias este texto e venhas a debater conosco estas e outras questões que aqui se colocam.

Te esperamos na quarta-feira, 12 de novembro as 18.30 horas na Travessa Francisco Leonardo Truda 40, sobreloja – Porto Alegre/RS.

Fones : 51 – 3333 3538 / 9239 1891 / 9253 4300
mulheres_rebeldes@hotmail.com


clarisse castilhos e marian pessah

Subvertendo o patriarcado a partir de uma aposta lésbica-feminista

X Encontro Feminista da América Latina e do Caribe
9-12 de outubro, 2005
Serra Negra, São Paulo

Ochy Curiel


Esta voz que hoje tem o privilégio de abrir o debate neste X encontro feminista não é apenas minha, comigo falam Las Chinchetas, Lesbianas Feministas en Colectiva, Mulheres Rebeldes e Brecha Lésbica que do México, Buenos Aires, Porto Alegre e Paris tecemos uma trama de cumplicidades políticas, ultrapassando fronteiras. Não sou representante delas, não substituo suas próprias vozes, mas por apostar numa construção coletiva lésbica-feminista, aproveito este espaço para evidenciar nossa posição política face o tema proposto neste painel: a radicalização da democracia.

“Radicalização”, “Democracia”, dois conceitos políticos contraditórios, impossíveis de serem unidos a partir de uma proposta crítica e revolucionariamente feminista.

Democracia continua sendo hoje, mais do que nunca, um conceito patriarcal e liberal que se apresenta como uma matriz civilizatória, como a aspiração de sujeito ilustrado que o feminismo da segunda onda tanto criticou por ter se instalado desde a ótica de uma masculinidade branca, heterossexual e com privilégios de classe.

Ainda que a democracia, em muitos momentos históricos tenha aparecido como um conceito oposto ao de ditadura, regime que durante muitos anos perdurou em muitos de nossos países latinoamericanos e caribenhos e cujas seqüelas continuam presentes, até onde saibamos, não acabou com as desigualdades de classe, com o racismo, com a heteronormatividade e com o sexismo…. Nunca. Todo mundo fala de democracia: os estados, os governos, os partidos, as Nações Unidas, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, as instituições responsáveis por difundir e estabelecer o patriarcado capitalista com a ajuda de muitas mulheres e feministas que seguem fazendo o jogo, hoje mais do nunca. Democracia é uma forma de organização social que tem que ser questionada e deve ser substituída, desde uma ótica feminista, por outras propostas mais participativas e sobretudo transformadoras.

Como é possível que depois de tanto tempo em que nós-outras vivemos nesta mentira, muitas ainda aspirem a ela? É preocupante, mas não é por acaso. Instalar-se nesta lógica mentirosa tem sido, para muitas feministas, a única política possível, mesmo que em prejuízo da própria história – de outras e delas mesmas. A cumplicidade segue impune vem dizendo vozes feministas desde o Encontro de Salvador, já faz um tempo: as cúmplices, as autônomas, as Mujeres Creando, Las Chinchetas entre muitas outras.

Pareceria que não há outras formas de sonhar com outros mundos, outras lógicas, outras utopias feministas fora das instituições patriarcais.

Dito isto não queremos dedicar este espaço a aprofundar a discussão sobre democracia porque nos colocamos em outro lugar e o conceito de radicalidade sim nos dá possibilidades de repensar uma nova utopia feminista.

Nós-outras, as lésbicas feministas, antirracistas e anticapitalistas apostamos na construção de outro mundo, um mundo libertário, ainda em construção, por sonhar e mais ainda por concretizar. E nos posicionamos a partir da radicalidade. Não aquela que acompanha como apelido o tema da democracia deste X Encontro, mas aquela que questiona, que duvida, que faz barulho, que cria e imagina, que parte de uma visão de que ser lésbica, afro-descendente, mestiça, indígena, feminista é uma posição política e não uma identidade essencial que nos leva a fragmentar o pensamento e aposta em como seria olhar somente desde identidades étnicas ou sexuais. Radicalidade que se expressa no combate a todas as formas de opressão, incluindo as que se geram em nossos movimentos e em nós mesmas. Radicalidade que assume como perspectiva central a autonomia política, ideológica e financeira. Não aceitamos que as financiadoras nos ditem o que temos que fazer ou dizer, também não permitimos que os governos e os estados controlem nossos corpos e nossa política.

Tratamos de construir solidariedades e cumplicidades entre mulheres, no Sul, no Norte ou entre Sul-Sul, Norte-Norte porque se bem entendemos que existem desigualdades estruturais de raça, classe, regiões, entre mulheres, aspiramos a que essas desigualdades desapareçam, pois se faz necessário unir os sonhos mais além das fronteiras que nos impõe o patriarcado. O feminismo sempre foi internacionalista e hoje, frente a esse mundo globalizado tem ainda mais razão para seguir sendo.

A construção coletiva é nossa aposta principal, e tratamos de dar conteúdo em nossas vidas cotidianas, com nossos afetos mais próximos, nossas famílias de origem, nossos grupos de ação políticas, nas comunidades onde vivemos. Isso significa desde assumir o compartilhamento das tarefas domésticas, ao invés de explorar o trabalho de outras mulheres, até gerar solidariedades e cumplicidades políticas, materiais e humanas. Esse continum lésbico de que falava Adrianne Rich continua sendo válido para a construção do movimento, continum que acredita na solidariedade entre todas as mulheres que lutam contra o patriarcado, mesmo sem ser lésbicas.

Ser lésbicas feministas radicais e autônomas é poder ter a capacidade e a valentia de não aceitar migalhas ou pedacinhos do pastel com a mesma receita patriarcal. É descer desse trem e ir muitas vezes a pé, pela calçada, pelas margens, apostando numa criatividade fora do convencional, com arte, teoria, com amor pelas mulheres, questionando o matrimonio, a família nuclear, o casal tradicional como únicas formas possíveis de amor, prazer e sobrevivência.

Nada disso é fácil. Vivemos plenas de contradições, temos limites, nos quebramos emocional e materialmente… A única coisa que nos permite sobreviver é porque acreditamos que é preciso mudar esse mundo, mudá-lo no fundo e na forma, porque estamos convencidas de que se sonhamos é porque isso pode acontecer.

Para mudá-lo entendemos que, mesmo que hoje seja necessário articular as lutas com outros movimentos, grupos, individuais e indivíduos, esta articulação não pode ser feita sem fundamentos políticos. Acreditamos na autonomia dos movimentos sociais e políticos porque as histórias e experiências particulares e específicas são as que demarcam as posições.

O feminismo como visão de mundo, como pensamento e prática política, como proposta de novas formas de vida é uma teoria política e uma ideologia mas, além disso e talvez muito mais importante, o feminismo é um movimento político. Como movimento político se assenta numa delimitação estratégica que dá sua especificidade, sua unidade, que permite a construção de um projeto político comum que o fundamenta e torna possível sua existência. Mulheres é uma categoria política que nos articula, com histórias e séculos de subordinação e de propostas. Não é identidade auto-definida, é uma construção social que devemos descontruir ao mesmo tempo em que nos serve para a política enquanto o patriarcado não for eliminado.

Nesse tempos em que palavra identidade ressoa suspeitosamente em nossos ouvidos, devemos questioná-la e ao mesmo tempo relativizar sua crítica e dar-nos conta de que qualquer grupo político, para ser definido como tal, deve delimitar o seu campo de ação, estabelecer linhas divisórias que definam seu próprio sujeito, que o demarquem. Isso é necessário para a política, para qualquer política. A proposta de avançar até uma solidariedade sem fundamento não deveria confundir-nos, não deveria ser tomada ilusoriamente, não deveria fazer-nos esquecer o paradoxo de que aquilo que faz a possibilidade da política é a demarcação de uma voz, de um corpo, de uma história de opressão compartilhada, mas sobretudo de um projeto político, que contém as especificidades porque é o que permite o surgimento de um discurso, de uma prática e de uma aposta.

Para que as mulheres nos constituamos como sujeitos políticos com corpos históricos, partimos de uma história de subordinação e de exploração que difere em grande medida de outros grupos humanos. É a partir daí que defendemos a autonomia.

É por isso que frente às acusações de fundamentalistas, anti-democráticas quando defendemos os espaços de lésbicas e de nos mulheres respondemos:

Enquanto o patriarcado com suas opressões continuar cobrando vidas de mulheres, enquanto nos negue a possibilidade de levantar nossas vozes, enquanto nossos corpos seguem sendo estereotipados, utilizados, violados, racializados; enquanto se assuma a heteronormatividade como “o” modelo de relações erótico-amorosas-sexuais, enquanto se siga explorando sexual e econômicamente as mulheres, enquanto lhes seja pago um menor salário por igual trabalho que os homens… (e os etcéteras podem ser muito longos); nós, a partir de uma posição radical seguiremos defendendo os espaços políticos autônomos mesmo que abertos à articulação com outros movimentos sociais e sócio-sexuais.

Estamos dispostas a debater, coordenar e articular com os e as trans, assim como com outros grupos políticos, mas desde seus próprios espaços, assim como nós construímos o nosso.

Voltando ao tema central : a opressão e a exploração das mulheres e o desmoronamento deste mundo, a miséria e a violência crescente que nos esmaga, para este X encontro convidamos a retomar a ética feminista que questiona a fundo todas as opressões, que abre novas possibilidades humanas fora de toda lógica patriarcal e neoliberal, que constrói revoluções pessoais e coletivas com a solidariedade e com o apoio mútuo, desde a autogestão e a criatividade, que permita a nosso movimento andar com seus próprios pés, não no trem das Conferências Mundiais da ONU e seus processos pre e post preparatórios, que instalou a tecnocracia de gênero e busca cooptar nossos discursos e nossas práticas, mas uma ética desde o movimento social, somando energias, vozes e corpos.

Convidamos a retomar uma ética feminista que nos leve a solidarizar com outras lutas como a dos povos indígenas, afro-descendentes, gays, travestis, transexuais, pessoas com outras capacidades, meninas e meninos ... respeitando seus próprios processos políticos.

Temos que inventar, imaginar, porque aquilo que aspiramos não é um modelo, mas essa é também nossa vantagem, pois nos faz sair de toda lógica patriarcal. Temos que subverter, desobedecer, porque “só a desobediência nos fará livres”. Para que siga existindo flores, borboletas e passarinhos. Para que as mulheres comam e saciem sua fome. Para que o amor possa viver e florescer. Para que as crianças possam crescer, aprender música, sonhar. Para que as avós terminem suas vidas com dignidade e compartilhando sua sabedoria, em vez de mendigar nas ruas. Para que não haja mais mulheres assassinadas, violadas, espancadas, enganadas, forçadas a vender seu corpo nas esquinas da morte ou em bares nauseabundos. Para que não existam mais mulheres indígenas violadas pelos soldados, para que não haja mais trabalhadoras domésticas negras deixando suas filhas sem comer de manhã. É preciso fazer a revolução feminista, aquela que toca as bases materiais e simbólicas, aquela que nos fará dançar porque já seremos livres.

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